O CUPELOBO
Ainda lembro de sua aparência.
Eu tinha poucos anos, algo como seis ou sete. Morávamos em uma cidade do interior, onde o principal divertimento da criançada era brincar de correr na rua, sem transito de carros, até porque lá, era raridade aparecer algum, os poucos moradores que possuíam veículos, só usavam no domingo à tarde, para passear com a família. Tinha também os jogos de bola. Mas a brincadeira que todos apreciavam, chamava-se Boca de Forno. Consistia em um líder escolhido no par ou ímpar, dar as ordens da missão a ser cumprida. Todos procuravam cumprir com rapidez e o primeiro que retornasse era o novo líder.
Diversas tarefas eram ordenadas e feitas.
Só uma era evitada. Aquela consistia em descer a rua , no seu trecho mais escuro, onde tinha a casa Joaquinzin Caolho. Ficava meio afastada da rua. Ele tinha sido pouco favorecido pela beleza. Para não dizer que tinha um aspecto horrível. Assustador de fazer menino parar de chupar o dedo.
Não casou, não tinha familia e vivia só.
Diziam até que nas noites enluarada virava Cupelobo (era esse o nome que davam a alma penada ou lobisomem , naquela região).
Mas o que pesava no medo da criançada, era a estoria que ele comia carne humana. Essa fama corria toda região.
Um dia na brincadeira, a tarefa era de ir escondido até a casa de Caolho e trazer um pedaço de fumo.
____vou o que rapaz, disse Toin. Num tô doido.
E assim quase todos se recusaram a cumprir tal ordem. Com exceção de Guluta, Zé Preto e Banguela.
Na hora da execução, só Guluta tava com o propósito de ir.
Saiu em disparada ladeira abaixo com a turma de longe a espera do resultado. Ao se aproximar da casa, pelo esforço da corrida deu uma tremenda distensão muscular na perna direita.
Caiu gemendo.
Caolho desperta de seu sono, e vai ver o que estava há acontecer. Encontra o menino caído e chorando. Pega a criança, leva pra dentro de casa e deita ela no sofá. Após indagar minuciosamente o que ele pretendia, vai até a cozinha, esquentar água pra fazer compressa no peralta.
Enquanto isso a turma de longe espreitava, um disse:
___ Vixe gente , vai comer a perna do Guluta. Já botou até vasilha no fogo pra cozinhar. Corram. Vamos chamar a polícia.
Foram na Delegacia. Cabo Antenor, como sempre tinha tomado umas cangibrinas.
Tava meio zonzo.
Com a notícia ficou mais aperriado, pegou o três oitão botou na cintura e rumou pra casa do meliante:
___ Vou ensinar esse cabra a não comer carne de gente.
Chegando lá, foi exatamente no momento em que Caolho puxava a perna do menino e fazia uma massagem com um unguento.
___ O cabra já tá até passando tempero.
Sacou a arma, deu três tiros no pobre coitado, que morreu no mesmo instante.
Antes de passar dessa pra melhor, ainda murmurou: passei a vida toda isolado do mundo. No dia que vou ajudar, morro sem saber porque.
Depois do fato passado, O que ficou valendo foi a estória do Cabo e da meninada. Guluta pra não ficar desmoralizado como mentiroso se calou. Caolho virou lenda como comedor de carne de gente.
São lendas do meu sertão nortista.
Felix Chaves
Enviado por Felix Chaves em 16/09/2017
Alterado em 12/06/2024