A METAMORFOSE
O trabalho na fábrica de produtos defensivos agrícolas estava ficando cada vez mais cansativo. Inicialmente fui contratado para fazer turnos de seis horas, como era considerado um local insalubre, pelo Sindicato, havia descanso remunerado de horas equivalentes trabalhadas.
Primeiro ano de serviços, tudo regularmente cumprido dentro das normas. Com o aumento da demanda veio os acordos extras contratuais, as horas trabalhadas passaram de seis para dez, isso era facultativo, mas todos foram aderindo, visto que seria um ganho salarial a mais. Pagavam tudo certo, as horas de descanso diminuíram. Quem optasse por fazer turnos dobrados, também era permitido. O Sindicato antes atuante agora, fechava os olhos para uma série de irregularidades trabalhistas ocorridas. Provavelmente o estavam recebendo a famosa" caixinha por fora".
Fato que chamava bastante atenção era a regra setorial da produção, de modos que quem trabalhava na divisão A não sabia o que se produzia na B e assim por diante, até no produto final. Quem tinha o conhecimento global do que realmente se produzia eram três químicos, que faziam supervisão e detinham um bom percentual de ações, com direito a voto e voz nas reuniões da Diretoria. Algumas vezes, cheguei a observar certos caminhões fechados sem identificação, sendo descarregados em deposito afastado dos demais. Fato bastante estranho já que o recebimento e conferencia era feito pelos próprios químicos da fabrica, sem a participação de outros funcionários que desempenhavam rotineiramente esse tipo de tarefa. A equipe de descarregar os caminhões vinha de fora.
Sigilo total.
A equipe D era constituída por dez funcionários, era a que recebia o produto finalizado, já pronto para a equipe E fazer as embalagens. Era a mais exposta aos riscos. Anteriormente , trabalhavam com equipamentos de proteção individual de primeira linha, como manda o manual. Com o desgaste dos trajes, e não reposição por novos, a exposição a contaminação praticamente dobrou. Reclamações no Sindicato não adiantavam. Deixar o serviço impossível. Isso deixava os trabalhadores revoltados e com má vontade no desempenho das tarefas.
Inverno chegando, a umidade aumentada tornava propicio ao aparecimento de chuvas constantes. O índice de gripes e resfriados aumentou bastante, em consequência a baixa imunidade das pessoas.
O número de trabalhadores da Equipe D parecia que estavam mais suscetíveis. Era comum dois ou três faltarem ao trabalho por motivo de doença. Os sintomas eram mais alarmantes: febre, tosse, dores musculares, queda do estado geral, o que mais preocupava os médicos era uma coloração amarelo-esverdeada que dava na pele , acompanhada com um aumento da espessura da mesma. Fato curioso é que os sintomas relativos a pele só ocorriam em pacientes internados, que trabalhavam na fabrica. Mais curioso ainda, ao se fazer a investigação de caso a caso constatou-se que todos trabalhavam na referida Equipe D.
Feito relatório, pelos médicos do Hospital local, solicitando uma investigação sanitária urgente na Fábrica.
E haja espera na realização dessa investigação...
Enquanto isso, toda equipe que trabalhava naquele local, foi acometida dos mesmos sintomas, mais intenso , mais grave. A pele hipertrofiava tornando-se enrugada como se mumificada. Abria-se em fissuras eliminando uma substancia purulenta, o paciente morria sufocado expelindo uma secreção muco-purulenta pela boca e nariz.
Todos foram a óbito com sintomas semelhantes.
Então, depois de varias semanas, veio a tal Vigilância, encontrou a fabrica totalmente limpa, a ala D com um aspecto asséptico e descartada qualquer relação com as mortes.
Para tranquilizar a população o Senador Vitorio, líder politico da região e sócio majoritário da empresa, deu uma entrevista em rede de televisão.
Semanas depois os caminhões de aspecto esquisitos voltaram a fazer entregas.
E a falta de memoria da população enterrou os mortos e os fatos.
Felix Chaves
Enviado por Felix Chaves em 02/09/2017
Alterado em 27/10/2017